Nas eleições de 2022, o Brasil elegeu 517 parlamentares que se declararam negros, o que representa 32,3% dos deputados federais, estaduais e senadores que assumirão os mandatos em 2023. Nem todos esses políticos, porém, podem ser considerados negros aos olhos da sociedade brasileira. A pedido do UOL, uma banca de heteroidentificação racial — método usado para evitar fraudes nas cotas raciais —, apontou que só 263 destes eleitos são negros. Isso representa 16,4% dos novos ingressantes no Senado, na Câmara e nas assembleias legislativas estaduais.
Esta é a primeira eleição em que os partidos foram obrigados, após uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a destinar de forma proporcional às campanhas de candidatos negros o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral. Só este último dispunha de R$ 4,9 bilhões, a maior verba desde a sua criação, em 2017. Neste sentido, possíveis fraudes na autodeclaração podem camuflar a falta de avanço da representatividade na política — ainda longe de espelhar a fatia negra na população brasileira, de 56,2% — como também impedir a análise da efetividade da ação afirmativa.
Realizada sob a liderança da doutora em sociologia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marcilene Garcia de Souza, a análise seguiu uma portaria de 2018, do antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que regula a checagem racial de cotistas negros em concursos públicos federais. O procedimento averigua os fenótipos negroides das pessoas, ou seja, os detalhes físicos pelos quais elas são percebidas como negras. Por exemplo: pele escura, cabelos crespos ou encaracolados, lábios e nariz grossos.
O UOL compilou todos os eleitos autodeclarados pretos e pardos no registro do TSE e submeteu a lista a uma banca selecionada por Marcilene e composta por cinco especialistas em heteroidentificação. Todos têm ao menos 4 anos de atuação em universidades e concursos públicos e pediram para não ter a identidade exposta por medo de represália.
Nesta eleição, os eleitores brasileiros renovaram um terço das 81 cadeiras do Senado. Entre os 27 escolhidos, todos os seis negros são homens. São três pretos — Magno Malta (PL-ES), Romário (PL-RJ) e Beto Faro (PT-PA) — e três pardos — Flávio Dino (PSB-MA), Dr. Hiran (PP- RO) e Rogério Marinho (PL-RN).
Rogério Marinho foi o único a ter a autodeclaração contestada pela banca. Economista, foi presidente da Câmara de Vereadores de Natal e comandou o Ministério do Desenvolvimento Regional, de 2020 até março deste ano. Procurado pela reportagem mais de três vezes por e-mail, Marinho não respondeu.
Situação nas casas legislativas estaduais. Dos 1.059 deputados estaduais eleitos em 2022, 376 se autodeclararam negros, mas 49% deles não são, aponta a banca.
Entre os 303 homens eleitos que se veem como negros, 52,1% não foram identificados como negros pela banca. Entre as 73 mulheres do grupo, o índice foi de 35,6%.
Já na Câmara dos Deputados, 135 dos 513 parlamentares eleitos falam ser negros. Porém, 51,1% deles tiveram a autodeclaração contestada pela banca de heteroidentificação.
Como todos os que se registraram no TSE como pretos tiveram a autodeclaração reiterada pelos especialistas, a disparidade está entre os pardos. Dos 107 homens eleitos, 56% não foram considerados negros. O mesmo ocorreu para nove das 28 mulheres pardas.
A Bahia foi o estado que mais elegeu deputados federais que se dizem negros no país: mas 13 dos 21 tiveram a autodeclaração colocada em xeque pela banca. Sérgio Brito (PSD) é um deles. Nas eleições deste ano e nas de 2018, ele se declarou como pardo, mas se via como branco em 2014.
Já no Rio, segundo estado que mais elegeu deputados federais negros, as declarações raciais de dois dos 13 parlamentares foram contestadas. Um deles é Dimas Gadelha (PT-RJ), que também mudou de opinião sobre sua cor/raça. Há dois anos, ele se registrou no TSE como branco para a disputa pela Prefeitura de São Gonçalo. Procurados pelo UOL mais de três vezes por telefone e e-mail, Britto e Gadelha não se posicionaram.
O Maranhão aparece na sequência na lista dos estados que mais elegeram negros para a Câmara dos Deputados. Foram 11, dos quais sete tiveram a autodeclaração contestada. Entre elas, está Duarte (PSB-MA). Há quatro anos, ele se identificou como branco. Em 2020, mudou para pardo, quando concorreu à prefeitura de São Luís. Procurado quatro vezes com pedidos de entrevista da reportagem, o deputado eleito não respondeu.